Банкир-анархист и другие рассказы | страница 75



Uma frase houve (casual, quero crer, no professor Boro) que me magoou mais do que outra.

Falávamos — eu, é claro, com o desprendimento com que se tratam estes assuntos feéricos — da influência dos mecanismos sobre a psicología do operário, quando se sabe — claro está — que o operário não tem psicología. E o professor referiu-se aos progressos industriáis do Japão e acrescentou urnas palavras, que me esforcei com metade de êxito para não ouvir, sobre (creio) movimentos operários no Japão e um fuzilamento (suponho) de não sei que chefe socialista. Eu há tempos — numa coluna sem dúvida humorística de um diário — vira em um telegrama de Tóquio constando qualquer coisa nesse tom; mas, além de não crer que de Tóquio se mandassem telegramas — visto Tóquio não dever ter mais do que duas dimensães —, ninguém que como eu tenha estudado a psicología japonesa através das chávenas e dos pires, admite progressos de qualquer espécie no Japão, indústrias japonesas, movimentos socialistas e chefes socialistas, ainda por cima fuzilados, como quaisquer europeus que vivem. Quem como eu conhece bem o Japão — o verdadeiro Japão, de porcelana e erros de desenho —, compreende bem a incompati-bilidade entre o progresso, indústria e socialismo, e a absoluta não-existência daquele país. Socialistas japoneses! Uma contradição flagrante! Uma frase sem sentido, como «círculo quadrado»! Se nem o inexistente estivesse livre do socialismo! Aquelas figuras deliciosas, eternamente sentadas ao pé de casas do tamanho délas, à beira de lagos absurdos, de um azul impossível, aquém de montanhas totalmente irreais — essas maravilhosas figuras, com uma perfeita e patriótica individualidade japonesa, não pertencem decerto ao horroroso mundo onde se progride, e onde sobre o artista desabam a morbidez do produtivo e a barbárie do humanitário.

E vem querer tirar-me estas convicções o professor Boro, da Universidade de Tóquio! Não mas tira. Não é para ser enganado pela primeira realidade que se me atira aos olhos que eu tenho gasto minutos distensos na contemplação científica e estéril de bules e chávenas japonesas. O mais provável, a respeito deste Boro, é que nascesse em Lisboa e se chame José. Do Japão, ele? Nunca.

Se ao menos achei japonesa a sua cara? Absolutamente nada. Basta dizer que era real e existiu ali diante de mim, duas dolorosas horas, em plena ocupaço inestética de todas as dimensões aproveitáveis (felizmente só três) do espaço autêntico. A sua cara parecia-se, é certo, com certas fotografias de «japoneses» que as ilustrações trouxeram há anos, e de vez em quando reincidindo trazem; mas toda a gente que sabe o que é o Japão ppor nunca lá ter ido sabe de cor que aquilo não são japoneses. E, de mais a mais, essas ilustrações eram principalmente de generáis, almirantes, e operações guerreiras. Ora é absolutamente impossível que no Japão haja generáis, almirantes e guerra. Como, de resto, fotografar o Japão e os japoneses? A primeira coisa real que há no Japão é o facto de ele estar sempre longe de nós, estejamos nós onde estivermos. Não se pode lá ir, nem eles podem vir até nós. Concedo, se me forgarem a isso, que existam um Tóquio e um Iocoama. Mas isso não é no Japão, é apenas no Extremo Oriente.