Банкир-анархист и другие рассказы | страница 73
— Pois sim, homem. Mas esses homens não fizeram o que você fez, naturalmente, porque eram menos inteligentes que você, ou menos fortes de vontade, ou…
— Ah, meu amigo: essas são já as desigualdades naturais, e não as sociais… Com essas é que o anarquismo não tem nada. O grau de inteligência ou de vontade de um individuo é com ele e com a Natureza; as próprias ficções sociais não põem para aí nem prego nem estopa. Há qualidades naturais, como eu já lhe disse, que se pode presumir que sejam pervertidas pela longa permanéncia da humanidade entre ficções sociais; mas a perversáo não está no grau da qualidade, que é absolutamente dado pela Natureza, mas na aplicação da qualidade. Ora uma questão de estupidez ou de falta de vontade não tem que ver com a aplicação dessas qualidades, mas só com o grau délas. Por isso lhe digo: essas são já absolutamente as desigualdades naturais, e sobre essas ninguém tem poder nenhum, nem há modificação social que as modifique, como não me pode tornar a mim alto ou a você baixo…
«A não ser… A não ser que, no caso desses tipos, a perversão hereditária das qualidades naturais vá tão longe que atinja o próprio fundo do temperamento… Sim, que um tipo nasça para escravo, nasça naturalmente escravo, e portanto incapaz de qualquer esforgo no sentido de se libertar… Mas nesse caso…, nesse caso…, que tem ele que ver com a sociedade livre, ou com a liberdade?… Se um homem nasceu para escravo, a liberdade, sendo contrária à sua índole, será para ele uma tirania.
Houve uma pequeña pausa. De repente ri alto.
— Realmente — disse eu —, você é anarquista. Em todo o caso, dá vontade de rir, mesmo depois de o ter ouvido, comparar o que você é com que são os anarquistas que pr’aí há…
— Meu amigo, eu já lho disse, já lho provei, e agora repito-lho… A diferençia é só esta: eles são anarquistas só teóricos, eu sou teórico e prático; eles são anarquistas místicos, e eu científico; eles são anarquistas que se agacham, eu sou um anarquista que combate e liberta… Em uma palavra: eles são pseudo-anarquistas, e eu sou anarquista.
E levantámo-nos da mesa.
Lisboa, Janeiro de 1922.
Crónica decorativa I
A circunstância humana de eu ter amigos fez com que ontem me acontecesse vir a conhecer o Dr. Boro, professor da Universidade de Tóquio. Surpreendeu-me a realidade quase evidente da sua presenga. Nunca supus que um professor da Universidade de Tóquio fosse uma criatura, ou sequer coisa, real.